domingo, 30 de março de 2014

Livro - Sagrado - Capítulo 2

Sagrado

Durante muito tempo existe um livro que está borbulhando em meu cérebro. Não está completo, sonho tanto com suas partes que tive que escrevê-lo, se vou terminá-lo é outra história.

Capítulo 2

França ano 1200

Em resposta ao crescimento da heresia cátara no sul da França, uma bula do Papa Lúcio III criou em 1184 a pior tragédia de toda história medieval "A Santa Inquisição", pessoas eram condenadas a fogueira simplesmente por desavenças com seus vizinhos, ou simplesmente, porque eram feios demais e tinham cara de bruxos. O modo justo como a "Igreja" tratava seus condenados variava de Inquisidor, alguns simplesmente jogavam as pessoas nos lagos atados a uma grande pedra por 1/4 de hora, caso se afogassem eram declarados inocentes, caso contrário obviamente tinham algum pacto com o demônio e eram queimados vivos. Outra forma comum de julgamento passava por diversas formas de torturas, afinal se os Santos aguentaram as torturas qualquer homem ou mulher de fé também deveria aguentar.

Em meio a esse caos, estamos em uma pequena cidade a sudoeste conhecida como Périgueux (também conhecida ainda por muitos como Vesunna), ali encontramos Guy Penaud um próspero plantador de uvas e fabricante dos melhores vinhos da região. Possui uma pequena propriedade na região das montanhas que sempre foi cobiçada por todos. Poucos sabiam que o segredo de Guy estava em sua mulher Marie Anne de uma beleza invejável com seus grandes cabelos ruivos e seus grandes olhos verdes. E por mais uma ano a colheita tinha sido boa e Guy comemorava.

- Veja, minha Marie - Dizia Guy a sua esposa - As uvas estão maiores e mais doces que em qualquer outro ano.
- Sim meu querido, obviamente sabemos a quem devemos agradecer.
- Não diga isso mulher, deseja ser queimada em uma fogueira. Sabe que existem ouvidos em todos os cantos e só não fomos chamados pelo Inquisidor graças as doações que faço todos os anos para a construção da Catedral Saint Front.
- Inquisidores - Marie cospe no chão - malditos carniceiros e amaldiçoados sejam até o último de sua linhagem. Quando penso no que fizeram a pobre Collet, nunca me esquecerei de seus gritos naquela fogueira.
Collet não deveria desafiar a igreja.
- Tudo o que ela fez foi tratar as pessoas.
- Sim, com ervas e Deus sabe mais o que.
- Você sabe muito bem com o que Sr Guy Penaud, quando teve aquela terrível doença se não fosse por Collet você e muitos outros não estariam aqui respirando e qual foi o pagamento da pobre mulher?
- Por isso mesmo que estou dizendo minha Marie, devemos tomar cuidado.
- Sinto em lhe dizer Guy, mas hoje é a primeira lua cheia do mês.
- Não me agrada nem um pouco que você vá...
- Não é necessário que lhe agrade ou não, se temos essa tão generosa colheita...
- Sim, já sei o que você dirá, mas também não quer dizer que tenha que ficar feliz que todas as mulheres da minha família saiam a noite para o meio da floresta. Com certeza muitas pessoas adorariam denunciar esse acontecimento a Santa Inquisição.
- E quem faria isso? Se todos estão implicados?
- Sabe que a cidade está crescendo e temos muitas pessoas novas que não pactuam do que acontece.
- Novos cristãos com suas puritanas e submissas mulheres, tão conveniente.

Uma criança aparece correndo pelo Vinhedo.

- Mãe, mãe...
- Minha pequena Marie - diz Guy se fazendo de orgulhoso e tomando a menina em seus braços.
- Me solte pai, a vovó pediu para chamar a mamãe pois precisamos nos aprontar.
- Vamos minha pequena - fala Marie tomando sua filha dos braços de Guy.

Ao ver as duas se afastando, Guy simplesmente abaixa os braços e realiza uma pequena oração pedindo proteção as suas adoradas mulheres.

Gália - Século 61 a.C.

Diversas tribos disputavam o território Gaélico, sua luta era constante, mas em compensação uma sociedade era respeitada: "Os Druidas", espécie de Shamam das tribos antigas que representavam diversos papeis, tais como, tarefas de aconselhamento aos chefes, ensino, juízes e filósofos dentro da sociedade. A palavra de um Druida era considerada como Sagrada e como tal era Lei e eles possuíam trânsito livre por toda a Gália (matar um Druida ou faltar-lhes o respeito era impensável). Neste contexto algumas mulheres elevadas eram conhecidas como "Sacerdotisas" e responsáveis principalmente pela comunicação com os Deuses.

As mais poderosas mantinham sua base na Ilha de Anglesey (2), mas a Gália contava com um vasto número dessas sacerdotisas e entre elas se encontrava Desirex, uma grande dama que treinava novas jovens a se tornarem como ela.

- Marie, pela última vez digo-lhe que a Mandrágora (3) não é uma raiz que devemos brincar e sim estudar com todo o nosso respeito.

A pequena Marie Anne estava com uma grande porção de raiz de Mandrágora em suas mãos e a ninava como se fosse um bebê para a diversão de suas colegas.

- Desculpe-me mestra, mas ela parece com um neném.
- Sei que você não teve qualquer intenção Marie, porém devemos respeitar todos os seres que foram criados e estão a nossa disposição, todos são sagrados.
- Mas isso é apenas uma raiz - replicou Marie olhando para sua planta já tirada do solo.
- Ledo engano minha pequena, plante-a e veremos que renascerá novamente, ou seja, ainda carrega a vida em seu interior. - Olhou benevolente para suas outras discípulas - Tudo o que é vivo deve ser respeitado, pois tudo tem o toque do Semeador, é errôneo pensar que seremos beneficiadas se destruímos tudo o que se encontra ao nosso redor, nos seremos as únicas criaturas que perderemos com essa loucura.
- Não limpamos uma área para a cultivarmos? - Disse Marrie com seus grandes olhos verdes brilhando com a suposição que tinha encurralado sua mestra.
- Sim - Respondeu Desirex - mas somente depois de pedirmos permissão, e tudo o que podemos salvar plantamos em outro lugar, ou não?
- Sim - Disse Marie rendida.
- Então devemos aprender que tudo o que existe não é nosso, somos uma parte transitória neste mundo, e se estamos hoje aqui é porque temos a permissão de estarmos, e o que fazemos quando entramos em uma casa que estamos visitando?
- Respeitamos tudo - Entoaram as meninas sem muita convicção.
- Nos comportamos bem e tentamos deixar o máximo de coisas intactas para os próximos que vierem. - Disse Desirex com um largo sorriso.

Do outro lado aonde estavam, se aproximava um senhor de branco segurando um enorme cajado, caminhava dificultosamente e já curvado pela idade. Ao percebê-lo Desirex dispensa todas as meninas e se aproxima dele.

- Desirex, precisamos conversar.
- Claro Diodoneux. - Disse Desirex fazendo uma reverência.
- Filha, aqui longe de outras vistas não precisamos ter todo esse tratamento.
- Pai, foi assim que me ensinaram a tratar o Grande Lorde Druida.
- Apenas por este ano, você melhor que ninguém sabe que nunca pedi esse título.
- Mas que lhe foi concedido justamente.
- Sim, ainda bem que é apenas por três ciclos (4) pois prefiro minha rotina de sanador. Porém o que me traz aqui são outros assuntos, preciso de suas visões, pressinto que um grande perigo ronda nosso mundo.
- Também sinto isso meu Pai, como sabe esta noite teremos a primeira Lua Cheia do mês e poderemos realizar nosso ritual sem problemas.
- Sim querida, faça isso e por favor me informe o mais urgente possível.

A pequena Marie estava escondida atrás de uma árvore atenta a tudo como sempre. O velho Druida então se levanta e se vai.

- Marie, venha aqui por favor. - Chama calmamente Desirex.

Lentamente e envergonhada a menina sai de seu esconderijo e caminha a passos lentos cabisbaixa até sua mestra.

- Sabia que é horrível ficar escutando escondida a conversa dos outros.
- Me desculpe mamãe, só queria saber o que o vovô desejava. Quase não o vejo mais desde que se tornou o chefe dos druidas.
- Ele não se tornou o Chefe meu bebê - disse Desirex sorrindo - simplesmente foi eleito por um tempo para liderar os Druidas.
- Todos eles mãe? - Disse a menina com os olhos brilhando de orgulho pelo avô.
- Não minha querida, apenas os de nossa região, um pequeno centenar.
- Um dia você também vai ser chefe?

Desirex, deu uma generosa gargalhada pegou sua filha nos braços dando-lhe um grande beijo. Partiu com ela para começar os preparativos do que deveria fazer.

(2) A Ilha de Anglesey fica na Bretanha na extremidade noroeste do País de Gales. Provavelmente foi a ilha que deu origem a mitológica Ilha de Avalon (a ilha lendária da lenda Arturiana).
(3) A raiz de Mandrágora sempre foi conhecida por seu formato parecido com o corpo humano.
(4) Um ciclo solar compreende o período relativo ao movimento de translação, ou seja a volta da Terra ao redor do Sol.

Boa Leitura e até a próxima
Fernando Anselmo

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